O falso forte
Enzo Perondini esculpiu o corpo à base de
remédios e agora luta contra o câncer
Sérgio Ruiz LuzO fisiculturista
e alguns tipos
de esteróides
anabolizantes:
20.000 reais gastos
em uma pesada
dieta química
Foto: Lalo de Almeida |
Disposto a ter um físico igual ao do ator e ex-mister Universo Arnold Schwarzenegger, Enzo Perondini começou a treinar musculação aos 16 anos de idade. Era na época um sujeito magro, com 72 quilos distribuídos por 1,89 metro de altura. Hoje, com 35 anos, ele adora usar camisetas cavadas para não deixar dúvida de que atingiu seu objetivo. Exibe braços com inacreditáveis 55 centímetros de circunferência, quase o tamanho da coxa de uma pessoa normal. Quando está fazendo exercícios, suas veias saltam e os músculos inchados formam uma massa que se estende pelas costas e engole o pescoço. Num movimento de pernas, é capaz de empurrar mais de meia tonelada de peso. Graças a essa força espalhada pelo corpanzil de 120 quilos, transformou-se numa das principais estrelas dos campeonatos de fisiculturismo do país. Conquistou uma série de títulos paulistas, brasileiros e sul-americanos. Há duas semanas, tentou ser o melhor do mundo, durante um concurso de mister Universo realizado na Turquia. Não chegou sequer às finais, apesar de ter investido uma pequena fortuna na preparação. Nada menos do que 20.000 reais, a maior parte deles gasta na compra de drogas para melhorar o desempenho. "Foi a última vez", garante Enzo. "Já experimentei todos os tipos de bolinha, mas cansei de fazer do meu corpo um laboratório para experiências químicas."
A busca dos músculos esculpidos à base de remédios não é novidade em outros países. Um dos casos mais conhecidos foi o do fisiculturista alemão Andreas Münzer, que morreu aos 31 anos com os rins e fígado devorados pelas drogas. O brasileiro Enzo também enfrenta graves problemas de saúde. Pouco antes do campeonato ele ficou assustado quando percebeu um inchaço no estômago. Em seguida, vieram dores insuportáveis, diarréias e sangramentos. Uma ultra-sonografia revelou a gravidade do problema. Nos resultados do exame, lê-se o seguinte sobre o estado de seu fígado: "presença de múltiplos nódulos sólidos dispersos por todos os segmentos hepáticos, o maior deles medindo 5,2 centímetros". O complicado linguajar médico é sinônimo de expressões bastante conhecidas. "Há duas possibilidades fortes para o caso: cirrose ou câncer. Sabendo que o paciente é um fisiculturista, aposto mais na última hipótese", diz um oncologista que prefere manter-se no anonimato. O atleta não tem dúvida. "Estou com câncer", afirma Enzo, que acha estar pagando o preço por ter abusado das drogas. "Sabia dos riscos, mas a vaidade e o ambiente das academias me incentivaram a seguir em frente", justifica.
"Hormônios, insulina, cocaína. Ganhei massa muscular usando todos os tipos de droga nos últimos quinze anos. Hoje tenho um tumor de 5 centímetros no fígado" |
Nos últimos quinze anos, ele exagerou nos exercícios com halteres e se entupiu de drogas. Primeiro foram os esteróides anabolizantes, nome científico para os hormônios masculinos produzidos em laboratório. Combinado com exercícios, o remédio tem o efeito potencializado e rende aos atletas suplementos de força, resistência e velocidade. Apesar de estar na lista negra de doping do Comitê Olímpico Internacional, continua sendo usado como um elixir mágico pelos fisiculturistas. Enzo tomou sua primeira dose injetada no braço numa farmácia de sua cidade natal, Serra Negra, no interior de São Paulo. Ao final de um mês, havia acrescentado 7 quilos de músculos ao corpo. É um efeito sedutor. Apenas suando a camisa nos treinamentos, sem usar drogas, um atleta ganha no máximo 2 quilos de músculos por ano.
Animado com esse resultado, Enzo intensificou e diversificou o consumo de remédios. Passou a tomar esteróides anabolizantes em doses literalmente cavalares, comprando em lojas veterinárias formulações sob medida para animais. Depois, a um custo de 2.000 reais por mês, introduziu na sua dieta química hormônios de crescimento. Outra de suas descobertas foram as injeções de insulina, úteis para levar mais rapidamente os nutrientes do sangue para as células musculares. Em alguns momentos, preocupado em controlar o peso antes das competições, cheirou cocaína. "A droga me ajudava a esquecer a fome", conta. Um mês antes dos torneios, Enzo suspendia o coquetel para passar no exame antidoping. A técnica só falhou uma vez. Foi em 1991, quando recebeu uma suspensão de um ano por uso de anabolizantes. "Agi como um burro, mas aprendi a lição", afirma. Recentemente, quando foi convocado para o exame de doping que o habilitaria a disputar o título mundial, levou escondida na sunga uma seringa contendo a urina de um colega. "Um atleta que não usa nada é como um Fusquinha competindo com um Fórmula 1", compara.
O fisiculturista é um dos únicos que tiveram a coragem de quebrar o pacto de silêncio que existe nas academias de ginástica. A atitude mais comum no meio é negar as evidências. "Combatemos, reprimimos e fiscalizamos o doping", jura Eugênio Francisco Koprowski, presidente da Federação Paulista de Culturismo e Musculação. Existem cerca de 4.000 atletas do esporte no Brasil e a indústria de suplementos alimentares para incrementar as atividades físicas cresce ao ritmo de 20% ao ano. Até o final de dezembro, estima-se que ela deva faturar 25 milhões de reais com a venda de aminoácidos e carboidratos. Embora comercializem produtos legalizados, e não drogas anabolizantes, essas empresas investem no patrocínio de fisiculturistas para fazer marketing da saúde. Enzo é um dos garotos-propagandas. Nas próximas semanas, ele deve submeter-se a uma nova bateria de testes para confirmar a existência do tumor no fígado. Mas não está preocupado. Convertido à religião evangélica, ele acha que Deus vai curá-lo. Como prova de gratidão, deseja agora virar pastor. "Quero contar minha experiência para servir de alerta aos jovens", comenta. "Quando ouço o slogan 'Esporte é saúde', morro de dar risada."
Um comentário:
Dificio competir sem usar nada.
Eu treino há algum tempo, mas cresço lentamente. Optei por estar pura.
No exterior se investe muito em campeonatos livre de drogas, mas aqui no Brasil, nunca li sobre nada desse tipo.
Pr. Enzo, o senhor conhece alguma federação que seja DRUG-FREE aqui no Brasil?
http://paullabrasil.blogspot.com/
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